domingo, novembro 11, 2012

Existe machismo na esquerda

Ontem, meu sábado foi dedicado à causa feminista. Passei o dia num seminário intitulado “Há machismo na esquerda”. O evento foi articulado pelos coletivos Anastácia Livre, Mulheres do DAR, Revolução Preta e Violeta Parra.

Sim, sou feminista e isso não significa nem de longe que eu odeie homens ou que eu seja lésbica, associações muito comuns que os leigos ou pessoas maldosas costumam referenciar ao conceito. Sou feminista porque eu acredito que o fato de ter nascido com uma boceta no lugar de um pau me colocar em desigualdade histórica com os homens e eu não acho justo e não quero que aconteça com a minha mãe, com as minhas amigas, com minha sobrinha, com uma filha, se acaso eu tiver uma, e tampouco quero que aconteça com qualquer mulher conhecida ou desconhecida. Isso de uma forma bem básica.

Pois bem, em outubro, participei de um evento promovido pela Marcha das Vadias Sampa e me chamou muito a atenção o debate de algumas meninas presentes, que militam em movimentos sociais das mais variadas causas e que reclamavam do machismo sofrido nestes espaços. Isso ia desde ficarem responsáveis pela limpeza e organização dos espaços de encontro, em detrimento da participação nas discussões, até agressões físicas e verbais, quando se opunham ou questionavam decisões. Foi o que me levou ao evento de sábado. Era dedicado ao tema e achei que poderia me aprofundar na questão.

Bom, a primeira constatação foi que todos os presentes, mulheres e homens, assumiram a existência do problema. Acho que é o primeiro passo para combatê-lo, mas o que seguiu daí pra frente foi estarrecedor e me faz questionar muito se eu quero mesmo fazer parte desta esquerda que não é de nada há muito tempo. O que me deixou realmente chocada, foi ouvir de mulheres, não sei de quais movimentos, porque realmente tive medo de perguntar, que os casos de violência dentro dos grupos de esquerda devem ser resolvidos internamente, pois a Lei Maria da Penha serve para “encarcerar nossos militantes pobre e negros”.

Eu estava preparada para ouvir de um tudo, mas nunca achei que dentro de um evento promovido por grupos feministas eu escutaria alguém dizer que a Lei Maria da Penha era um retrocesso e servia de instrumento para promover a política podre de nossa polícia de discriminação. Não, definitivamente eu não estava preparada para isso. E vamos combinar, agressor não fica preso, ele paga meia dúzia de cestas básicas e volta pra casa pra ensinar a mulher como não denunciá-lo, batendo nela de novo.

Eu acredito sim que eventos violentos como não aceitar que as colegas se pronunciem, gritar, xingar são casos que podem ser resolvidos dentro das orgânicas do movimento, com diálogo, principalmente mostrando ao agressor que o movimento é de todos e que ele está reproduzindo o machismo, que nada mais é do que instrumento de poder da estrutura que eles combatem. Agora, não me venha dizer que casos de espancamentos e abusos devem ser combatidos dentro da estrutura do movimento porque eu não quero participar de movimento com caráter de PCC em que temos um tribunal paralelo.

Eu quero as vítimas sejam ouvidas, o que não vem ocorrendo, e quando houver violência física, seja de qual caráter for, que seja denunciada. Porque foram anos pedindo uma lei que punisse a violência contra a mulher, pra que ela seja colocada de lado sob o argumento de que devemos preservar a causa. Que movimento é este que precisa tanto ter um agressor em sua estrutura a ponto de orientar mulher a não denunciar seus agressores. Um movimento que precisa de um agressor em sua estrutura pra mim não serve. E é isso o que acaba ocorrendo, as mulheres abandonam estes espaços políticos, porque não se sentem seguras, enquanto os agressores continuam seus caminhos, como se nada houvesse ocorrido. Eu quero que os agressores sejam punidos, sejam eles brancos, pretos, ou azuis de bolinhas amarelas.

A segunda coisa que me deixou chocada foi o questionamento sobre a solidariedade à mulher. Bom, quem já teve contato com mulheres que sofreram violência sabem o quanto é difícil elas falarem sobre a violência. Elas sentem vergonha, medo e muitas vezes culpa que é inculcada pelo próprio agressor, como forma de mantê-la calada. Quando uma mulher chega a mim e diz que sofreu uma violência, serei sim solidária a ela, porque é uma mulher diante de você que está em seu limite, pedindo, socorro.

É claro que não apoio a Elisa Matsunaga ter feito picadinho do marido, mas eu tenho certeza, pelo perfil do morto, que a todo momento ele fazia questão de lembrá-la de onde ele havia a tirado, de como ela perderia a filha, que ela não passava de uma prostituta. E neste ponto, desculpa, sou solidária a Elisa, MAS também quero que ela vá para a cadeia porque matou um homem.

A mesma pessoa que apontou a Lei Maria da Penha como instrumento do Estado (conta uma novidade é uma lei), que questionou a solidariedade às vítimas, também condenou os escrachos como forma de apontar os agressores, citando o caso do escracho de um militante do Movimento Passe Livre. Ela, o nome da pessoa é Simone, disse que o escracho ao agressor foi feito num momento em que o Movimento estava com grande visibilidade da imprensa e por isso não deveria ter sido feito. Segundo a própria vítima, o escracho foi o que possibilitou a ela terminar as disciplinas que cursava e por isso, toda solidariedade a ela. O que coloco novamente à dona Simone, que eu gostaria muito que lesse este texto, é porque ela culpa a vítima e não o agressor pelo ocorrido? Quem estava ameaçando a ex-companheira era ele. Por que o movimento não tomou providências se era tão interessante não ter esta exposição negativa na mídia? E escracho por escracho, somos escrachadas todos os dias, quando passam por nós e nos chamam de gostosa, quando quebram nosso braço em balada porque não quisemos dar trela pro babaca! Vamos novamente culpar a vítima?

Movimentos sociais são construídos por indivíduos engajados que acreditam em determinadas causas. Não há movimento sem a participação destas pessoas. O movimento não se sustenta se estas pessoas não forem vistas como indivíduos, se os problemas relatados dentro da orgânica destes espaços não forem tratados com medidas assertivas e de acordo com sua gravidade. Se é esta esquerda que estão construindo, que precisa tanto de homens violentos para que o coletivo não se enfraqueça, desculpe, eu prefiro ficar em casa! E isso que ocorre quando uma vitima tem apoio negado nestes espaços.

Achei que estivesse pronta para militar em outras causas, que não somente as feministas, porque eu quero mesmo viver num mundo melhor, mas com a esquerda que vi ontem, prefiro me manter somente nos espaços feministas que frequento e que são seguros. Desta esquerda pelega e nauseante eu quero distância!

Solidariedade feminista SEMPRE!